O Capital Invisível Investido na Maternidade.
A maternidade é frequentemente romantizada como um ato de amor incondicional, relegando ao esquecimento o imenso investimento de tempo, energia e recursos que as mulheres dedicam ao cuidado dos filhos. Este investimento, muitas vezes invisível aos olhos da sociedade e do sistema jurídico, é o que a advogada feminista Ana Lúcia Dias denomina de “capital invisível investido na maternidade”.
O Que é o Capital Invisível?
O conceito refere-se ao trabalho não remunerado realizado pelas mães no cuidado diário com os filhos, incluindo atividades como alimentação, higiene, educação, acompanhamento escolar e emocional. Essas tarefas, embora essenciais para o desenvolvimento saudável das crianças, não são contabilizadas economicamente nem devidamente reconhecidas em processos judiciais relacionados à pensão alimentícia ou divisão de responsabilidades parentais.
Impacto no Direito de Família
No campo do Direito de Família, ignorar esse capital invisível contribui para a manutenção das desigualdades de gênero. Tradicionalmente, as mães assumem a maior parte das responsabilidades com os filhos, o que limita suas oportunidades no mercado de trabalho e afeta sua autonomia financeira. Por outro lado, muitos pais, mesmo quando colaboram financeiramente, não participam de maneira igualitária no cuidado cotidiano das crianças. Essa dinâmica gera uma sobrecarga para as mulheres, que acumulam funções sem o devido reconhecimento ou compensação.
Avanços Jurisprudenciais
Felizmente, algumas decisões judiciais começam a reconhecer a importância do trabalho invisível das mães. Em novembro de 2023, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) considerou que as atividades domésticas e o cuidado diário com os filhos, ao exigirem maior disponibilidade de tempo da mãe, criam uma sobrecarga que limita suas oportunidades no mercado de trabalho e na vida pública. Essa compreensão foi utilizada para aplicar o princípio da proporcionalidade no cálculo dos alimentos, reconhecendo o impacto do trabalho materno não remunerado.
Em 08 de janeiro de 2024, nos autos do processo nº 1018311-98.2023.8.26.0007, o juízo da 3ª Vara da Família e Sucessões do Foro Regional de Itaquera, Comarca de São Paulo, aplicou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ para fixar a pensão alimentícia em ação movida pela genitora, representando a filha menor.
Na decisão, a magistrada reconheceu a chamada “divisão sexual do trabalho”, destacando que a mãe, responsável pela guarda, já contribui com o sustento da filha ao assumir sozinha a economia do cuidado — conjunto de tarefas como alimentação, higiene, educação, limpeza e saúde, geralmente invisibilizadas e desvalorizadas.
Desafios Persistentes
Apesar desses avanços, o reconhecimento do capital invisível investido na maternidade ainda enfrenta resistência no sistema jurídico. Muitas decisões continuam a subestimar ou ignorar o valor do trabalho não remunerado das mães, resultando em pensões alimentícias que não refletem a realidade das responsabilidades assumidas por elas. Além disso, a falta de uma metodologia clara para quantificar esse trabalho dificulta sua consideração nos processos judiciais.
Caminhos para o Reconhecimento
Para que haja uma mudança efetiva, é fundamental:
- Conscientização Social: Promover debates que evidenciem a importância do trabalho não remunerado das mães e seu impacto na sociedade.
- Formação de Profissionais do Direito: Capacitar advogados, juízes e promotores para que compreendam e apliquem o conceito de capital invisível nos processos judiciais.
- Políticas Públicas: Desenvolver políticas que incentivem a divisão equitativa das responsabilidades parentais e reconheçam o valor do trabalho doméstico e de cuidado.
- Metodologias de Cálculo: Criar critérios objetivos para mensurar o capital invisível investido na maternidade, facilitando sua consideração em decisões judiciais.
O reconhecimento do capital invisível investido na maternidade é um passo crucial para a promoção da igualdade de gênero e da justiça social. Embora algumas decisões judiciais já apontem nessa direção, é necessário um esforço contínuo para que o sistema jurídico e a sociedade como um todo valorizem e compensem adequadamente o trabalho não remunerado das mães. Somente assim será possível construir um ambiente mais justo e equilibrado para todas as famílias.
Referências:
- Keunecke, Ana Lúcia Dias da Silva. “O capital invisível investido na maternidade.” Carta Capital, 3 de maio de 2019.
- PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (12ª Câmera Cível). Agravo de Instrumento 0013506-22.2023.8.16.0000. Relator: Des. Eduardo Augusto Salomão Cambi, 2 de outubro de 2023. Diário da Justiça Eletrônico, 2 de outubro de 2023. Disponível em https://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/j/4100000024121601/Ac%C3%B3rd%C3%A3o-0013506-22.2023.8.16.0000#. Acesso em: 25 mar. 2025.
- “Juíza de São Paulo valorou o trabalho invisível da mulher na fixação da pensão alimentícia para o filho.” Jusbrasil, 8 de janeiro de 2024. Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/artigos/juiza-de-sao-paulo-valorou-o-trabalho-invisivel-da-mulher-na-fixacao-da-pensao-alimenticia-para-o-filho/2172676524#:~:text=Direito%20do%20Trabalho-,Ju%C3%ADza%20de%20S%C3%A3o%20Paulo%20valorou%20o%20trabalho%20invis%C3%ADvel%20da%20mulher,Perspectiva%20de%20G%C3%AAnero%20do%20CNJ.&text=no%20blog%20(%20mais%20artigos%20e%20peti%C3%A7%C3%B5es%20do%20mesmo%20autor)